Talvez eu tenha dentro da caixola um bichinho trabalhando para que eu tenha sempre as opiniões mais polêmicas sobre os assuntos mais polêmicos. Fui contra a tal "Lei Seca" e agora sou contra o "Ficha Limpa", mas pelo menos me esforço para buscar argumentos que sustentem tais posições.
A existência deste projeto, agora já sancionado e transformado em lei, mostra o nível de falência no qual se encontra a política. São tantos escândalos que o cidadão passa a não apenas tolerar, mas desejar uma medida que passa por cima da Constituição e de preceitos básicos em nome de, supostamente, limpar a política.
Antes de debater o mérito da questão é importante fazer duas ressalvas. 1. A lei "Ficha Limpa" é inconstitucional. Num Estado Democrático e de Direito quem pode ser inocente, inocente é. Ou seja, antes que um processo tenha transitado em julgado e o réu seja declarado inapelavelmente culpado, ele não pode ser tratado como tal.
2. Mesmo se constitucional, é uma ameaça à segurança jurídica que a lei valha para as eleições de outubro próximo já que foi sancionada com menos de um ano de antecedência para o pleito. É como mudar as regras do futebol com os times já na concentração final entre o vestiário e o gramado.
Outra distorção presente neste debate é a visão de que a lei "Ficha Limpa" é algo feito para pesar sobre "os políticos". Nana, nina, não. A suposta existência de uma "classe política" é algo que devemos refutar todos os dias. Todos nós, cidadãos, somos políticos com direitos e deveres. Assim, qualquer cidadão pode ficar inelegível ao ser condenado por um colegiado mesmo que, muitas vezes, isso não caracterize nenhum desabono para a sua atividade política.
Não estou aqui defendendo a impunidade, uma estrutura branda ou vacilante da lei, mas ressalto os riscos quando a pena é a inelegibilidade. Para não correr o risco de parecer parcial, utilizo como exemplo alguém de quem nunca fui aliado político: Jackson Lago.
O ex-governador tem uma longa trajetória na política maranhense, foi eleito governador com a ajuda de uma série de irregularidades e terminou cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Ok. Sendo eleito com irregularidade deve ser cassado. Roubando o erário deve ressarcir os cofres públicos e ser preso. Porém, não ficar inelegível. Se, mesmo sabendo das irregularidades cometidas, o povo do Maranhão optar por Jackson como governador ele deve ser eleito.
Isto se chama democracia, respeitar a vontade popular. Criar um filtro para separar em quem o povo pode ou não votar é tutelar o eleitor e tirar-lhe a soberania do voto.
A democracia que nós vivemos é cheia de vícios e utiliza um sistema político-partidário que muitas vezes não dá conta de suprir a representatividade popular, mas a democracia, com todos seus equívocos, é melhor do que qualquer outro sistema.
O argumento de que o povo não sabe votar, muitas vezes utilizado neste debate, foi o que sustentou por muito tempo o colégio eleitoral e, portanto, a ditadura militar. Ditadura essa que cassou mandatos e tirou os direitos políticos daqueles que ela julgava "subversivos", xingamento tão pesado na época que se equipara ao que hoje chamamos de ... (tirem as crianças da frente do computador) ficha suja.
Por defender a democracia e acreditar na capacidade do povo escolher os seus rumos eu sou contra a Lei Ficha Limpa ou qualquer outro instrumento que preveja a inelegibilidade de qualquer cidadão. Que todos sejam elegíveis e o povo, de quem emana o poder numa democracia, tome sua decisão soberana.
Comentários
Logo, a inconstitucionalidade simplesmente não existe e já foi atestada até pelo próprio STF.
Ela não trada de condenar ou não alguém, trata de critérios seletivos para ocupar cargos públicos. Se ela é uma "profunda ameaça" a segurança institucional do país; exigir que o lixeiro tenha "ficha limpa" para ser lixeiro e trabalhar numa empresa pública de limpeza urbana também é. Afinal, somos todos iguais perante a lei. Se é acertado exigir bons antecedentes para o lixeiro, o escriturário e o "barnabé" da repartição da última vila do Oiapoque; muito mais do que justo exigir-se o mesmo de quem tem acesso a altas verbas e pode mudar os destinos do país e de seu povo com uma canetada.
O tema não é apenas jurídico. É político e ideológico.
Os "critérios seletivos" para ocupar cargos público elegíveis devem ser estipulados pelo eleitor por meio do voto.
A ameaça à segurança jurídica se dá pelo fato dela entrar em vigor já nessas eleições tendo sida aprovada em maio, antes, portanto, de um ano do primeiro turno.
A defesa que faço é do voto, da vontade popular. Não votaria no Maluf, mas defendo o direito dele ser candidato e se 400 mil eleitores disserem diante da urna que ele é a melhor para representá-las perante o estado, ele deve ser eleito deputado. Isso demonstra a complexidade e a diversidade da sociedade e sem respeitar essas questões não se vive numa democracia.